Mar injusto

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Há dias em que o nosso único desejo é morrer, em que achamos que nada mais vale a pena e em que parece que a vida não faz mais sentido.
Juntos construímos a nossa vida como se de um templo se tratasse, mas esse templo acabou de se desmorunar e o meu coração não passa de um pórtico partido que balança na falésia sobre o mar.
Aqui nos conhecemos numa manhã de janeiro por entre o nevoeiro e a brisa do mar. Ainda me lembro da tua imagem, sentado numa pedra à espera que uma onda viesse e levasse toda a angústia que te invadia o peito. Nesse dia eu só passeava o cão, como de costume, mas aquela imagem fez-me aproximar e saber quem eras.
Neste mesmo local trocamos juras de amor eterno, e foi mesmo aqui ao lado que te vi partir pela primeira vez naquele maldito barco que, ao fim de dez anos de viagens, naufragou fazendo-nos perder a vida. A ti que partiste sem te despedir e a mim que que te perdi para sempre. Tantas vezes te pedi que não embarcasses, as mesmas que me prometeste que seria a última vez, mas as dificuldades monetárias e a paixão que sentias pelo mar faziam-te sempre voltar. Tantas vezes foram as que rezei dia e noite à N. Sra do Carmo para que nada de mal te acontecesse, para que chegasses bem, e agora sabe Deus quando chegarás para que possas ter um enterro digno. Agora só Deus sabe se algum dia te trarão para a tua terra ou se ficarás perdido neste mar ingrato como tantos homens que, tal como tu, perderam a vida enquanto lutavam para que as suas famílias tivessem um presente e um futuro sem dificuldades.
Dizem que há mais marés que marinheiros, eu só peço a Deus que a cada mudança de maré a minha dor diminua, que me dê forças para continuar a vida que construímos juntos e que agora só a mim pertence. A cada maré que chega só peço que não ceife cruelmente a vida a mais ninguém, para que mais nenhuma família passe pela dor de perder alguém no mar.

H. B.

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